A pataxó Deborah Santos Martins, de 28 anos, é uma das mais de 46 mil pessoas indígenas inscritas em um curso superior em 2021. O número é quase 5 vezes maior que o registrado em 2011, quando apenas 9.764 alunos do ensino superior se identificavam como indígenas.
Contexto: A inclusão na universidade faz parte da luta para ampliar a representatividade dos indígenas na sociedade. O crescimento representa um salto de quase 374% nas matrículas de pessoas que se declaravam como descendentes de povos nativos no período de 10 anos.
Apesar do aumento significativo, os indígenas universitários representam 3,3% dos mais de 1,4 milhão de pessoas que se identificam como indígenas no país, segundo dados parciais do Censo Demográfico de 2022. Em relação ao total de alunos no ensino superior, eles são 0,5%.
Na população brasileira em geral, com cerca de 214 milhões de habitantes, o percentual de universitários era de 4,1% em 2021.
Os dados são de um levantamento do Instituto Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior do Brasil, com base em dados do Censo Demográfico 2010 e do balanço do Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e do Censo da Educação Superior, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Total de indígenas no ensino superior segundo levantamento do Semesp. — Foto: Arte: g1/Bernardo Soares
Chama atenção o percentual destes alunos que estão matriculados em instituições privadas de educação. Pelo menos 63,7% dos indígenas no ensino superior estudam em universidades particulares. Sem o recorte racial, 76,9% dos universitários brasileiros estão no ensino privado.
Para Paulo Timbira, indígena do Sul do Maranhão que integra um grupo em uma rede social formado por alunos de diversas etnias, a presença majoritária em instituições privadas pode ser explicada pelas políticas públicas de cotas, bem como por benefícios oferecidos pelas próprias universidades.
“Além da Lei de Cotas, muitas universidades aderiram a políticas privadas de inclusão. Algumas oferecem bolsas de estudo, outras conferem auxílio-moradia ou auxílio-passagem. São coisas que ajudam na hora de escolher onde vamos nos matricular”, conta.
Luta por direitos
Márcia Mura, doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e integrante do povo Mura, de Rondônia, acredita que ocupar as universidades é um passo importante na luta pelos direitos dos povos indígenas.
Apesar disso, ressalta que não dá para ignorar a dificuldade que enfrentam aqueles que dão esse passo.
Se queremos estudar, pagamos um preço alto. Abandonamos nossas línguas, nosso território, nos afastamos da família e dos filhos, pela luta.— Márcia Mura, doutora em História Social pela USPMárcia Mura, doutora em História Social pela USP e integrante do povo Mura, de Rondônia. — Foto: Arquivo pessoal
Ela afirma ainda que faltam professores indígenas nas instituições de ensino.
“Tem muita coisa ensinada nas universidades que diz respeito aos povos nativos, mas não é ensinada, a meu ver, da maneira correta. Os componentes curriculares sobre povos indígenas deveriam ser dados por professores indígenas. E já temos mestres e doutores formados, mas eles não estão nas salas de aula”, pondera.
Para ela, é necessária uma revisão na estruturação e seleção do corpo docente das universidades. “Nós podemos estar nestes lugares. É preciso nos deixar ocupá-los”, conclui.
Entrada no ensino superior
Pataxó do extremo sul da Bahia, Deborah Martins sempre viu o ensino superior como o passo natural seguinte ao ensino médio, e foi assim que viu sua primeira graduação em Biologia iniciada em 2012. Entretanto, ela não se adaptou ao curso e trancou a matrícula.
“Meus pais não puderam estudar. Então, quando eu pude, parecia o caminho natural. Mesmo quando desisti do meu primeiro curso, eu queria e sentia que devia ter um curso superior”, conta.
Deborah Martins, indígena Pataxó do extremo sul da Bahia. — Foto: Arquivo pessoal
Foi no curso de Direito que ela retomou a vida acadêmica. Com uma bolsa 100% do Prouni (programa de bolsas do governo federal), Deborah concluiu o curso em dezembro de 2021. Mas, ainda no 7º semestre, ela já sabia que não queria exercer a profissão e descobriu na gastronomia, que até então era um hobby, a verdadeira vocação.
“Comecei a cursar gastronomia em fevereiro de 2022 em um curso EAD da UniCesumar em Teixeira de Freitas, e, se tudo der certo, concluo no fim deste ano”, diz ela.
Haje Kalapalo, de 31 anos, é membro da aldeia Tangurinho Kalapalo que habita o Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso, e deixou seu povo temporariamente para cursar o ensino superior.
Ele se mudou para Goiás e cursa Enfermagem em uma unidade da Estácio, mas está ansioso para se formar.
Meu sonho é trabalhar na área da saúde e conseguir ajudar meu povo e as pessoas. Quando finalizar o curso, quero voltar para a minha aldeia para atuar como enfermeiro, assim vou prestar um serviço para a minha comunidade e estar perto da minha família.— Haje Kalapalo, indígena KalapaloHaje Kalapalo, indígena da etnia Kalapalo. — Foto: Arquivo pessoal
Primeiro indígena da etnia Apinajé no Tocantins a cursar medicina
O jovem indígena Lucas Gomes Apinagé, de 19 anos, ingressou no curso de Medicina, da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins) este ano, mas é uma história/conquista que merece ser lembrada.
Ele é o primeiro da etnia no Tocantins e da sua família que vai se tornar médico.